quarta-feira, 21 de abril de 2010

Cicatrizes

Machucados, cortes, cicatrizes. Marcas que se fazem no corpo durante essa coisa louca que é viver. Você se machuca e dependendo da gravidade você precisa de um remédio, de uns pontos e cirurgias. Após o machucado, vem o tempo que a gente deve evitar certas coisas a fim de obter uma melhor recuperação. Não fazer exercícios físicos, não comer determinados alimentos, não isso, não aquilo, restrições... Se for um corte na pele, é provável que a cicatriz apareça. Se for em algum órgão interno, meus conhecimentos médicos não permitem fazer tal afirmação, mas provavelmente deva ficar alguma cicatriz. A questão é que não as vemos como veríamos se fosse na pele.

Outra coisa que não vemos? Cicatrizes emocionais. Essas, carregamos por um longo tempo em nossa vida. Às vezes elas doem tanto que continuamos o resto da vida com a dor do corte que as causou. Ainda bem que nem sempre é assim. A gente se machuca, se recupera e aprende a lição. Se eu fizer isso novamente, me machucarei. No entanto, isso não descarta a possibilidade de nos machucarmos, já que o perigo atrai algumas vezes. E nem é preciso falar do plano emocional, vide jogadores de futebol que machucam e continuam jogando, isto é, correndo riscos.

O corpo humano deveria ser perfeito, mas não é. Câncer é a prova disso. Diante de um machucado, o corpo busca voltar à homeostase. Recuperar-se da ruptura que sofreu. Nós seres humanos temos um corpo, mas também somos assim em relação a nossa vida emocional. A vida deveria ser perfeita, mas não é. A infância não foi das melhores, o pai foi ausente, o marido trai, as pessoas mentem, trapaceiam... São coisas que acontecem e deixam suas marcas. Não falo no sentido negativo, de marca ruins, mas no sentido de que se o pai ou a mãe foram ausentes tentaremos suprir essa falta de outra maneira. A mulher é indiferente? Busca-se companhia fora de casa. Um amigo apronta, busca-se outros amigos para preencherem a nossa necessidade de afeto. Obvio que não vai ser a mesma coisa que se esse amigo estivesse ocupando esse espaço. É preciso viver e se dar conta de que as coisas são o que são, não idealizações que temos em nossas idéias. Aceitar a realidade tal qual ela é, e tentar modificar quando vemos que algo não anda tão bem.

Falhas, faltas, buracos, vazios. Se a vida fosse perfeita, não conheceríamos essas palavras. Se fossemos pobres coitados, não reagiríamos a tais desvios do percurso. Falando parece fácil e até soa bonito. Mas dói, incha, inflama, às vezes infecciona. E não existe remédio para curar esses sintomas. É o papo do poeta: a dor é inevitável, o sofrimento opcional. Devemos não acabar padecendo do sofrimento extremamente, mas também devemos entender que querer que certos machucados não doam é a mesma coisa que não querer que eles fiquem curados algum dia. A vida é um processo e a etapa subseqüente depende consideravelmente daquela em que nos encontramos agora.

Não sei quanto a vocês, mas eu espero estar me curando de uma ferida. Bem, a cicatriz? Faz parte de mim, e eu vou levá-la para o resto da vida, embora eu não sei o quão boa é a marca deixada.

[publicado originalmente no chiclé clichê em 21/07/09.
republiquei porque inventei de reler, e tem umas lições que eu sempre me esqueço.]

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