domingo, 20 de junho de 2010

A agonia de Sex and the City

Adaptação do seriado para o cinema trai o vigor original e naufraga nos clichês

HADLEY FREEMAN | The Guardian
Tradução: Fernanda Pandolfi



Eu não estou pedindo muito. Não quero me desesperar com a crescente incapacidade de Hollywood de colocar mulheres em filmes de comédia em outro papel a não ser o de meninas com seios fartos obcecadas por si mesmas. E eu não quero, na maioria das vezes, perder duas horas assistindo a sonhos e lembranças da minha juventude sendo pisoteados em uma humilhante paródia de si mesma. Isso é pedir demais? Parece que sim, a julgar por Sex and the City 2 um clichê materialista, misógino, borderline racista com franjas cor-de-rosa.

O seriado era fantástico: inteligente, engraçado, acolhedor e sagaz, um apelo diferente do de “mulheres de meia-idade transando constrangedoramente com vários parceiros inadequados”, clichê que outros escritores usavam. O livro original de Candace Bushnell, no qual o seriado foi baseado, era bom, mas o seriado era ótimo. Sim, havia sexo e compras. Mas ao contrário dos filmes, não eram as únicas abordagens, e não era só com isso que as personagens se importavam. Mas agora, traiçoeiramente, os filmes confirmam todos os piores (e errados) pressupostos (a maioria de homens) feitos sobre o seriado e sua audiência (a maioria de mulheres).

No seriado de TV, as mulheres reprimiam Samantha por suas tentativas malucas e ocasionais para manter a juventude, e ela sempre aparecia falante e corpulenta, amando sua aparência. No segundo filme, ela engole 44 pílulas cada manhã para “fazer com que meu corpo pense que é mais jovem”.

A série de TV foi muito corretamente criticada por raramente ter personagens que não fossem brancos. A resposta nervosa do primeiro filme a essa situação foi incluir uma personagem negra, mas como assistente de Carrie, representada por Jennifer Hudson, que é submissamente grata pelas peças de estilistas famosos rejeitadas do guarda-roupa de Carrie, e então, no final, retorna ao Sul, onde as pessoas negras pertencem. O segundo filme vai ainda mais longe, porque os personagens são enviados a Abu Dhabi. Nunca, desde As Mil e Uma Noites, o orientalismo foi tratado tão ironicamente. Todos os homens do Oriente Médio são filmados em uma luz brilhante com uma música jingle jangle, para caso você não tenha entendido que essas pessoas morenas são exóticas e diferentes.

Em ambos os filmes a mensagem é: mulheres desejam um anel de noivado a todo custo; no seriado, Carrie rejeitou Aidan, que era perfeito em tantos quesitos, porque ela não pôde, não importa o quanto tentasse, se convencer a casar com ele. A diferença de como os empregos das mulheres são tratados no seriado e no filme talvez seja o melhor exemplo do quanto o seriado afundou.

Na série, repetidamente víamos Miranda trabalhando em seu escritório como uma das sócias em uma empresa de advocacia e, sim, o emprego é difícil e consome tempo, mas ela o adora – e o seu sucesso é um distintivo de orgulho. O mesmo acontece com Samantha em sua profissão de Relações Públicas. Até Carrie, que trabalha como uma colunista de jornal, um emprego que eu posso pessoalmente assegurar que não é fisicamente compensador, demonstra verdadeira satisfação com a sua profissão, até o ponto em que se disponibiliza à demissão, na última série, por causa de seu namorado russo – já é um mau sinal. Também tem um episódio inteiro sobre a dificuldade das amigas em aceitarem a decisão de Charlotte de deixar de trabalhar quando se casa, e namorados que não levam o trabalho a sério são vistos como sanguessugas imaturos. No primeiro filme, não somente nunca vemos Miranda trabalhando, mas seu emprego é a razão para a infidelidade de Steve, porque ele não estava recebendo atenção o suficiente de sua esposa que estava trabalhando para sustentá-lo. No segundo filme, adivinha? Ela deixa o escritório de advocacia!

Então, vem a moda. As amigas sempre usaram roupas de estilistas famosos no seriado, mas os filmes são um pouco mais do que duas horas de propagandas, ressaltando o fato de que Parker é atualmente a diretora criativa da Halston Heritage, uma marca que aparece bastante no segundo filme. Se os filmes mataram o sonho Sex and the City, então, em retrospecto, sua agonia pode ser vista na última série, insistindo que Carrie tem que ficar junto com Mr. Big no final sem se importar que isso seja totalmente fora do perfil de ambos os personagens, sem se importar que isso vá contra tudo o que o seriado ditava sobre mulheres não precisarem ficar com homens que fazem com que se sintam como lixo. Estranhamente, enquanto o seriado se tornava mais bem-sucedido, essas abordagens se tornavam mais convencionais, perdendo a identidade.

A morte de Sex and the City não é só vergonhosa para as fãs, mas para todas as mulheres com maiores expectativas sobre filmes com o tema “mulheres” que vão além de um resumo de clichês da imprensa popular.

Carrie, você pode ter comprado muitos sapatos nesses filmes. Mas, infelizmente, você se vendeu.

Retirado do Caderno Donna do Jornal Zero Hora. Link aqui!

sábado, 19 de junho de 2010

sabedoria de mary alice.


Nesse drama infinito que chamamos de vida, todos temos nossos papéis. Alguns têm papéis românticos. Outros acabam sendo as vítimas. E alguns proporcionam cenas de comédia. Mas para que o drama seja mesmo convincente, é preciso que haja um herói e um vilão.
(Desperate Housewives, Season 6, Episode 14)

Quer saber? Bom mesmo é se dar conta que não existe vilão, nem herói. Somos as duas coisas, ao mesmo tempo. Somos humanos, com toda complexidade que isso abarca. Herói ou vilão? Heróis E vilões!

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A ordem na teoria do caos

Assisti ao filme “O curioso caso de Benjamin Button” semana passada. Um filme muito bom, por sinal. Teve um trecho que despertou a minha atenção. Aquele no qual ele narra os acontecimentos antes de ela ser atropelada. Ele conta que, se ela tivesse feito qualquer coisa diferente, ter dado qualquer passo em falso, ter se atrasado, o desfecho seria diferente. Mas não, tudo foi como foi, uma sucessão de acontecimentos que culminou com o atropelamento dela.

É um filme, eu sei. Na ficção não faltam exemplos de desencontros que acabam mudando a vida dos personagens. Ele estava carente, e decidiu ligar pra ela, que estava num encontro, a fim de superar ele. Ela não atendeu, ele procurou outra e assim vão indo os capítulos até o (mal)dito happy end.

E a vida real? Será que a vida imita a arte? Vivemos a teoria do caos e o bater de nossas asas provoca um tufão do outro lado do mundo? Será que é necessário ir até o outro lado do mundo para sentir tal tufão? Provavelmente, não. Cada ato gera uma conseqüência. Um fato está encadeado no outro, o que faz com que a única ordem existente é que tudo é uma simples bagunça.

Só paramos para pensar na dimensão de nossos atos, quando cometemos um erro. E se eu tivesse feito assim, e se eu tivesse feito assado... Se as coisas sempre dão certo, nunca paramos para pensar, sempre continuamos caminhando, seguindo e indo em frente.

Restringindo para uma dimensão bem detalhada, a vida é a teoria do caos. Cada bater de asas, um tufão. A questão é que não somos borboletas isoladas, existem várias batendo ao mesmo tempo. Se uma sozinha já gerava um tufão, imagine várias. Cuide-se com ciclones, tornados, furacões...

publicado originalmente no chiclé clichê em 13/08/09.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

os jogos que jogamos.


Quando crianças, para ocupar nosso tempo e como uma necessidade, brincamos. O brincar é uma primeira socialização com outras pessoas. Uma de suas modalidades são os jogos. Existem os mais variados e para os mais diversos gostos. Para quem precisa do contato físico, Twister. Para quem gosta de bolar estratégias, xadrez e afins. Para quem gosta de exibicionismo, não faltam jogos de montar roupas nas bonecas, e afins. Enfim, existem os mais diversos jogos que variam conforme o gosto de cada um. Porém, para que um jogo seja jogado é necessário a presença de duas ou mais pessoas, que estejam afim de brincar da mesma coisa.

O menino quer brincar de lutinha, mas a menina não está afim. A menina quer brincar de casinha, e convoca o menino para ser o 'homem' da casa. O menino encontra outro menino para brincar de lutinha, ou bate na menina. A menina brinca de casinha com outras meninas, fingindo estar sozinha porque o marido saiu de casa para trabalhar, mas que troca dicas de dona-de-casa com outras meninas [Sei que isso toca na questão do gênero, e eu estou extremamente sendo clichê, mas esse tema é discussão para outros post's.]

Crescemos, e descobrimos o jogo das relações, mais precisamente das relações amorosas. Para que um relacionamento vingue é preciso que as duas pessoas estejam afim do mesmo objetivo. Ou que haja um encaixe entre as diferentes formas de existir. Se isso não acontecer, bem, no hay relación. Algumas relações podem nos parecer estranhas, mas funcionam à sua maneira.

Por exemplo, existem mulheres que são vítimas de seus conjuguês e mesmo assim preferem ficar com eles. Se um terceiro interferir nessa relação, ela muda de configuração e pode até findar. Há ainda aquele relacionamento que se pauta em cima da assertiva "vou me matar, se você me deixar". Um lugar de impossibilidade de término é criado, que pode ou não ser ocupado pela pessoa a quem isso é destinado. A questão que me proponho a colocar é que por mais estranhamentos que essa frase possa causar é nisso que o relacionamento se baseia, caso ele vingue e ganhe vida. Outro exemplo possível são aqueles relacionamentos em que para segurar o homem, a mulher engravida. Como se esse fato fosse determinante da relação. Há casais que vivem muito bem, quase se matando entre quatro paredes, mas aparentando uma imagem perfeita e idealizada fora destas paredes. E é isso que os faz ficarem juntos.

Tal qual nos jogos infantis, é necessário que as pessoas estejam disponíveis para a mesma finalidade, que é construída por elas, enquanto configuração do relacionamento. Por mais que ao nossos olhos a relação seja impactante, como nos casos em que a relação se pauta em violência, se esse é o funcionamento que eles têm, não adianta querer modificá-lo, pois inclusive corremos o risco de terminarmos a relação, ainda que isso seja necessário quando há risco de vida ou outra questão que possa prejudicar alguém.