quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

É possível ser feliz sozinho? - Parte II


A experiência de reler algo escrito há um tempo atrás sempre traz um misto de constrangimento e diversão. Colocar em evidência que deixamos de ser quem éramos e ao mesmo tempo perceber que algumas coisas seguem exatamente iguais. Ter que responder a terrível pergunta se é possível ser feliz sozinho é algo que continuo me dispondo a tentar responder. Lembro que aquela pergunta vinha de uma novela que tinha como tema Wave do Tom Jobim como tema de abertura. "Vou te contar / os olhos já não podem ver / coisas que só o coração pode entender / fundamental é mesmo o amor / é impossível ser feliz sozinho." 

O texto anterior briga na verdade com o ideal de que somente uma pessoa nos completará. Encontrando-a temos nosso feliz para sempre. Podemos achar uma bobagem, uma ficção, uma invenção, mas é algo que está tão enraízado em nossa cultura e nos subjetiva sem que conseguimos ter noção disso, o que é possível de ser observado na monogamia como único modo de relação amorosa e sexual possível. Se você escapa a essa modalidade, os estranhamentos e as perguntas insistirão em te atormentar: qual seu defeito? qual a sua falha? Michel Foucault, em uma entrevista intitulada de Amizade como modo de vida, fala que as relações homossexuais podem possibilitar outro modo de se relacionar, por não estarem tão bem codificadas como as relações entre homem e mulher estão, embora existam muitos gays que querem uma relação nesses moldes tão bem estruturados. A meu ver, essa é mais uma evidência de como o amor a uma única pessoa que nos completará é tão forte. 

Anos depois, hoje, tenho outra posição: é impossível ser feliz sozinho! Logo eu tão desafeito a lógicas de pensamento que naturalizam o ser humano como um ser social, que prescinde de outros. O tempo que separa essa escrita da anterior me ensinou que o lugar do outro em nós é vital. Encontrei pessoas que alegraram e engrandeceram muito meu viver, e outras tantas que me entristeceram e fizeram-me sentir a menor das criaturas. No entanto, as dores dos desencontros são pequenas frente ao sentimento de estar solitário em uma situação, sem poder compartilhá-la. 

Somos subjetivados a acreditar que o porto seguro está somente em uma pessoa, mas, em nossos barcos, navegamos. Ancoramos em diferentes portos, de modo que podemos encontrar diferentes pessoas que nos acolham sob diferentes perspectivas. Inclusive em um relacionamento a dois que não necessariamente nos convoque a uma entrega total. "O resto é mar. É tudo que não sei contar".