quarta-feira, 25 de novembro de 2015

foucault.

Finalizei a leitura de Michel Foucault - Uma biografia do Didier Eribon e a intensidade das vidas que se entrecruzaram e se entrecruzam persiste em me acompanhar. Foucault psicólogo, Foucault filósofo. Foucault que encontra Kant, Freud, Hegel, Nietzsche, Bataille, Blanchot, e tantos outros pensadores. Encontra ainda em seu cotidiano pessoas como Georges Canguilhem, Gilles Deleuze, Jacques Rancière, George Dumézil, Pierre Bourdieu, entre tantos outros intelectuais franceses. Nesse cenário, que também é político, relações se fizeram e desfizeram, fazem e desfazem. 

Segundo Didier Eribon, jovem Foucault com questões sobre a vida e sobre o suicídio. Jovem Foucault que discutia vorazmente com seus colegas, xingava-os. Jovem Foucault que gostava de aplicar o Rorschach nos calouros. Professor Foucault que em suas aulas esmiuçava seus conteúdos, discutia com e através de fenomenologia, marxismo, psicanálise. Foucault que questionava-se se era analisável. Professor Foucault, que frente a irrupção de uma música pop durante sua aula de 1º de fevereiro de 1984 durante o curso A coragem da verdade, brinca: "Acho que você se enganou. Ao menos é Michael Jackson? Azar."

Seu pensamento foi se produzindo, afetou e foi se afetando na produção de um legado do qual somos herdeiros. A obviedade de um encanto com ele se esvai no encontro com outras pessoas que de sua obra pouco conseguem extrair. Talvez pelo pouco partilhamento do modo como Foucault colocava suas indagações, bem como seu fluxo de pensamento. Um pensamento em constante mutação, sofrendo as interpelações do vivido e transformando-as em vivo, num constante virar outro. Foucault se fazendo nos desvios que viver implica. Sua genialidade encontra-se não só na maneira de conduzir suas problemáticas, seu exaustivo trabalho e delicadeza com os materiais que tinhas disponíveis, mas também em algo muito raro, sua humildade. Sua produção: d'As palavras e as coisas à História da Loucura (e suas relações com o saber médico que também aparecem em O Nascimento da Clínica), passando por Vigiar e punir, passando pela biopolítica, chegando enfim e nesse fim, por sua finitude, à sexualidade e em um retorno aos gregos. Sendo estratégico, nos convidando a sermos estratégicos.

Um intenso admirador do que fizeste enquanto obra enquanto viveu e que segue existindo, cogito a pensar que se um dia tivéssemos nos encontrado, sua energia, sua determinação, sua coragem de verdade me amedrontariam, por afirmar um modo de ser e de combater com outros sujeitos, e assujeitados nessa trama de jogos de verdades a que nos encontramos e sustentamos. Ao mesmo tempo, tão intensas eram suas relações, em que a amizade figurava-se como uma possibilidade primeira, com sua estima e apreço pelos queridos.

Seu constante viajar, a trabalho, por trabalho, por questões de viver. Estiveste no Brasil tantas vezes, recusou-se a voltar aqui frente a situação em que nos encontrávamos, uma ditadura militar, que tentou proibí-lo de falar o que ele tinha a dizer. Suas idas aos Estados Unidos, e às possibilidades de existência que encontraste lá, contrastam com seu ingresso no Collége de France e sua intensa demanda de trabalho. É num auge que sua morte se faz, e demonstra-se abrupta. O que uma biografia deixou ecoando é a rapidez com que isso ocorreu. Qual o destino dos livros que tinhas programado e que seriam lançados posteriormente? A interrupção do fluxo do pensar, marcada pela finitude do corpo, remete-nos a morte em vida, quando nos é tirada a possibilidade de pensar. Seu pensamento, uma boa herança nos permite fazer algo com ela. Reinventarmos com aquilo que recebemos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário